
No mês de junho, o palco do Teatro Arthur Azevedo (SP) foi ocupado por uma obra potente, que uniu poesia, denúncia e acolhimento. O espetáculo “Casamento de José e Maria”, monólogo da jovem Bruna Tioma, estreou como resultado do seu Plano de Intervenção Artístico-Cultural (PIAC) no Programa Jovem Monitor Cultural (PJMC).
Partindo de vivências pessoais, a jovem artista transformou suas próprias angústias em linguagem cênica, inaugurando o trabalho do coletivo Angústia Coletiva Teatral, formado a partir do encontro de três jovens que se conheceram no PJMC.
Uma narrativa que ecoa muitas vozes
O texto da peça se constrói a partir de uma carta da personagem Maria a José, no dia do casamento. O que poderia ser apenas um retrato de afeto, rapidamente se revela como denúncia de uma trajetória marcada por violência doméstica. A carta se torna palco da contradição entre o amor romântico idealizado e a dura realidade da agressão.
Ao optar pela autoficção teatral, Bruna fez de seu corpo e de sua voz um espaço de ressonância coletiva. “Casamento de José e Maria” não fala apenas de uma história, mas de muitas — afinal, a violência doméstica permanece como um problema estrutural no Brasil. Dados oficiais revelam que, entre 2023 e 2024, os casos aumentaram quase 10%, chegando a mais de 258 mil registros. E mais: mais de 60% das mulheres agredidas sequer chegam a denunciar.
Estética e denúncia caminhando juntas
Com uma cena delicada e incisiva, a montagem estabeleceu diálogos entre diferentes linguagens artísticas: do teatro autoficcional à lira circense, da iconografia feminina presente em obras de Leonardo da Vinci à literatura de bell hooks. O resultado foi um espetáculo que oscilou entre o íntimo e o coletivo, entre a memória e a reinvenção, ampliando a força da denúncia por meio da arte.
O público pôde vivenciar não apenas uma apresentação teatral, mas também um espaço de escuta e reflexão. A obra deixou claro que o teatro pode ser ferramenta de transformação social: capaz de provocar empatia, sensibilizar e instigar mudanças.

O PJMC como espaço de criação
O espetáculo também marca a consolidação do Angústia Coletiva Teatral, grupo criado em 2024 por três jovens monitores, que teve sua estreia oficial com esta montagem em junho de 2025. A companhia nasce com o compromisso de trabalhar temas urgentes e transformadores, em diálogo direto com a formação recebida no PJMC.
No caso de Bruna Tioma, o PIAC foi mais do que uma etapa formativa: foi oportunidade de compartilhar sua trajetória pessoal por meio da arte, criando impacto social e cultural. A apresentação demonstrou, na prática, como o Programa fomenta não apenas a atuação dos jovens nos equipamentos culturais da cidade, mas também a produção de novos projetos autorais, que ampliam o debate público sobre questões estruturais da sociedade.
Um legado em construção
“Casamento de José e Maria” revela o potencial das juventudes quando têm espaço, acompanhamento pedagógico e incentivo para desenvolver seus projetos culturais. O espetáculo deixa como legado a coragem de transformar dor em criação e a convicção de que a arte pode (e deve) ser uma aliada no enfrentamento à violência de gênero.